5.1 Fórmula Brasil

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5. Depois da "Fórmula-Vê" ("Fórmula-Brasil", "VW", "Super-Vê")

    5.1. "Fórmula-Brasil" (texto de Carlos de Paula)

     5.2. "Fórmula-Ford"   (texto de Carlos de Paula)

     5.3. "Super-Vê" - o retorno da "Fórmula-Vê" (texto de Carlos de Paula)

 

 

FÓRMULA BRASIL - RETUMBANTE FRACASSO

Por Carlos de Paula

A Fórmula Brasil foi uma das tentativas de estabelecer uma categoria de monopostos multimarca e duradoura no Brasil, que viesse a substituir a antiga Mecânica Nacional/Continental dos anos 50 e 60. Querendo, ou não, no imaginário popular os monopostos representam o máximo em termos de automobilismo - o puro carro de corridas - apesar da recente popularidade dos carros turismo e até mesmo de corridas de caminhões no próprio Brasil. Assim é, e assim era nos anos 60. Muito frustrava os brasileiros que não houvesse no país uma categoria de monopostos de alto nível no final dos anos 60.

Em tese, a Mecânica Continental (e anteriormente, a Mecânica Nacional) preenchia esse vácuo. Na sua última variante disputada com ex carros de fórmula 1 europeus equipados com motores e câmbios de carros americanos (em grande parte, Chevrolet Corvette, mas também Ford, Cadillac), os carros eram possantes, mas indubitavelmente representavam uma era passada. Eram monopostos Maserati, Ferrari, Alfa Romeo e Talbot de motor dianteiro, uma configuração já não usada na Fórmula 1 desde 1960, sendo que mesmo Indianápolis já aderira completamente aos motores traseiros. As últimas corridas de Mecânica Continental, em 1966, foram tristes espetáculos: pouquíssimos carros se arrastando na pista, e somente um carro bem preparado, a Maserati-Corvette de Camilo Cristofaro. Para justificar as mini provas, já se aceitavam até carros esporte, ou seja, bipostos como a Maserati de Ubaldo César Lolli.

Entretanto, a primeira tentativa de inserir o Brasil na era dos monopostos modernos fracassara, a Fórmula Junior de 1962 a 1964. A Tubolarte e Chico Landi construíram uma dezena de monopostos, que foram equipados com motores Gordini, DKW, Simca e JK. As fábricas ajudaram onde puderam, mas não houve ânimo entre os poucos automobilistas da era, para que a categoria fosse para a frente, e essa acabou sendo a classe B da Mecânica Continental. As razões foram diversas, e são discutidas em um artigo específico.

Entre outras coisas, é importante frisar que a própria Fórmula Junior caira no desuso a nível internacional, a partir de 1964, sendo substituída pela Fórmula 3 como categoria de acesso à Fórmula 1, e depois Fórmulas 2 e 3. Ou seja, de inserido no contexto moderno, o Brasil passaria de novo a trilhar o caminho da obsolência.

Cabe aqui um parêntesis. Ao passo que o automobilismo brasileiro e até mesmo a indústria automobilística brasileira caminhavam a duros trancos em meados dos anos 60, com poucos modelos e fábricas a beira da falência como a Vemag, FNM, Willys e Simca, o automobilismo e mercado automobilístico argentino prosperavam. Entre outras coisas, embora até 1966 só tivéssemos um único autódromo, os platinos tinham diversos, em diversas áreas do pais, desde Buenos Aires, a Córdoba, Rosario a Balcarce. A variedade de modelos fabricados na Argentina no início dos anos 60 era estupenda, inclusive carros de origem americana de grande cilindrada. Para ter uma idéia visite o site www.auto-historia.com.ar, escrito em espanhol. E apesar da popularidade da categoria Turismo de Carretera no país, outras categorias mais modernas foram surgindo na Argentina, inclusive uma versão própria da categoria Esporte Protótipo. Havia muito mais intercâmbio entre os argentinos e europeus, iniciado com temporadas de Fórmulas 3 e 2, a partir de 1965, e logo se instituiu a categoria Fórmula 2 argentina, com seu próprio regulamento e uso de motores locais. O sonho de consumo dos brasileiros.

Ou seja, nosso benchmark (ou se quisermos ser um pouco menos politicamente corretos, nosso objeto de inveja) era o automobilismo argentino. Propôs-se, de uma forma um tanto tímida, a instalação de uma Fórmula 3 no Brasil, e de fato a Willys construiu um carro desta categoria para concorrer na Temporada Argentina de 1966. O carrinho só fez sucesso em Interlagos, entretanto, chegando em segundo lugar nos 500 km de Interlagos de 1965, e embora não tenha dado vexame na Argentina, ficava claro que estava longe de poder encarar os carros europeus. Depois veio a crise da Willys, com a sua subseqüente venda para a Ford, e não se falou mais de Fórmula 3 brasileira, muito menos da categoria sul-americana.

Por insistência da Revista Auto Esporte, começou a ser promovida a idéia de estabelecer a Fórmula Vê no Brasil. A categoria, surgida nos EUA, fazia sucesso em diversos lugares do mundo. Em tese, seria uma categoria ideal para o Brasil, pois seria equipada com mecânica do carro que era disparado o best seller no país, o Fusca, com mecânica de baixo custo. Quem sabe até a VW, que sempre fora avessa ao esporte automotivo no país, passasse a investir na categoria. A Fórmula Vê parecia a resposta, mas muitos fatores conspiraram para o seu fracasso.

Primeiro, a VW foi muito tímida no seu apoio. O patrocínio comercial profissional ainda não existia no Brasil, e sem o apoio direto da fábrica, era bem difícil para a categoria prosperar. Segundo, a Fórmula Vê e o autódromo de Interlagos sobreviveram juntos somente um ano. O autódromo paulista foi fechado para reformas no final de 1967, e embora a reinauguração fosse inicialmente planejada para 1968, mais tardar, 1969, a pista acabou voltando a funcionar somente em 1970. O autódromo carioca fora inaugurado em 1966, mas, infelizmente, o forte do automobilismo estava em São Paulo: os melhores recursos, pilotos, oficinas, equipes, preparadores, patrocinadores e até mesmo a própria VW. Assim, no primeiro ano a Fórmula Vê teve intensa participação de pilotos paulistas de primeira, como Emerson Fittipaldi, Jose Carlos Pace e Marivaldo Fernandes, culminando com a realização dos 500 km de Interlagos de 1967, disputados com carros da categoria. Quando Interlagos fechou, o interesse dos paulistas se esvaiu rapidamente, e no final de 1968 a categoria se transformara em uma categoria regional carioca. Em terceiro lugar, os carros tinham preparação limitada, e eram muito vagarosos, especialmente para o público rigoroso e exigente de Interlagos, que estava acostumado a ver carros de 500 HP voando na reta de partida e fazendo muito barulho. Os Vê simplesmente não empolgavam os paulistas. Podemos citar também a situação econômica adversa do país e a falta de cobertura na mídia, acostumada a cobrir corridas de longa duração. Assim, em meados de 1969 os paulistas, se antecipando à reabertura de Interlagos em 1970, planejavam um “upgrade” na Fórmula Vê, julgando que a categoria na forma atual não atendia os anseios do público paulistano. Na verdade, a utópica categoria seria chamada Fórmula Brasil, visava atender a gregos e troianos, e se constituía verdadeira Fórmula Libre, que reuniria todas as categorias de monopostos já existentes no Brasil até aquele momento, um verdadeiro “vale-tudo”.

Os pilotos da Associação Paulista de Volantes de Competição, entidade na época liderada por Eduardo Celidôneo, criaram um regulamento que vislumbrava duas categorias, até 2 litros e acima de dois litros. Na primeira categoria, pretendia-se aproveitar os fracos Fórmula Vê, atualizados com motores VW de até 1,9 litros, rodas mais largas e carrocerias mais aerodinâmicas (quase um precursor da Fórmula Super Vê, que ainda não existia na Europa, e que viria a fazer muito sucesso no Brasil). Obviamente, se o freguês quisesse correr com Fórmula Vê, poderia, e imagino, nenhum Fórmula Junior Landi-DKW seria recusado!

Um dos mais entusiasmados defensores da nova categoria, Wilson Fittipaldi Junior, inicialmente pretendia entrar na categoria com um Fitti-Vê modificado com motor 1.9, tala larga e aparência menos frágil, mas queria eventualmente equipar um chassis novo com um motor mais potente, do FNM 2150. Vemos aqui, um ressurgimento do conceito da Fórmula Junior de 1962, Brazilian style...

O mais louco da estória foi o proposto reaproveitamento, numa fase inicial, dos carrões da Mecânica Continental que já estavam completamente obsoletos três anos antes. Camilo Cristófaro acreditava que os seus carros ainda tinham o que dar, e que com pneus mais grossos e alguns aperfeiçoamentos na suspensão e carroceria, os velhos “mecânica” ainda teriam um lugar ao sol. Prometia até mesmo deslocar o motor para posição entre eixos, para moderniza-los. Além de Camilo, Antonio Carlos Avallone, que corria na Fórmula 5000 na Inglaterra, já estava prometendo trazer os carros desta categoria para o Brasil. Como as imaginações estavam obviamente fora de controle, previa-se também a participação de carros superalimentados na categoria acima de dois litros!!! 

Infelizmente, a idéia não foi para a frente. De fato, realizou-se uma única prova da Fórmula Brasil, no Festival de Velocidade em março de 1970, que contou com a participação de 3 Fórmulas Ford (que venceram a corrida, mas estavam “fora do regulamento”, pois não tinham motor nacional), alguns Fórmula Brasil e o resto do grid formado de Fórmulas Vê normais. Não apareceram Camilo e seu Maserati-Corvette, nem tampouco o outrora entusiasmado Wilson Fittipaldi Junior, que decidira gastar seu entusiasmo na Fórmula 3 européia. Nem sombra de carros de Fórmula 5000, superalimentados ou carros com motor FNM.

O futuro das categorias de monopostos no Brasil ficaria nas mãos das categorias monomarcas, embora, com o fechamento do Autódromo do Rio, tenha ocorrido a morte temporária da Fórmula Vê em 1970. A Temporada BUA de Fórmula Ford fora um sucesso, e Luis Antonio Grecco conseguira convencer a Ford para bancar a categoria no Brasil a partir de 1971.

Sim, os argentinos não só conseguiam ter uma Fórmula 2 multimarca, como ainda criaram uma Fórmula 1 local, disputada com carros de motorização V8 (na realidade mais Fórmula 5000 do que Fórmula 1), pelos melhores pilotos da nação, como Luis di Palma, Carlos Marincovich, Garcia Veiga e o uruguaio Pedro Passadore, além de uma Fórmula 4.

A próxima e última tentativa do Brasil de criar a sua própria categoria de monopostos multimarca foi a Fórmula 2 Brasil, criada após o colapso da Fórmula VW 1600 em 1980. Em tese, poderiam ser usados carros com motores VW, Ford, Chevrolet e até mesmo Fiat, mas a Fórmula não durou muito. De fato, a única categoria de monopostos multimarca que prosperou no Brasil, após a Mecânica Continental, foi a Fórmula 3, baseada nos regulamentos internacionais da categoria. 

Copyright © 2003 Carlos de Paula

 

  Texto de Carlos de Paula

  Fonte: http://gpdrivers.com/automobilismo2.html , com autorização de Carlos de Paula



  Revista "4 Rodas" Nº 101, Dezembro/1968, página 258


  Revista "Auto Esporte" Nº 58, Agosto/1969, páginas 60 à 63


"Jornal do Brasil", 02/Julho/1969 - "Caderno de Automóveis e Turismo"


Revista "4 Rodas" Nº 108, Julho/1969, página 130


   

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